As redes sociais estão se movimentando no dia de hoje para lembrar o dia em que ocorreu o golpe militar, no ano de 1964, o que é bastante importante quando vemos um aumento do número de pessoas que se manifestam de maneira favorável à ditadura, chamando-a , inclusive, de “revolução” ou “movimento”.
“Aí, eu tratava
(Se eu fosse teu patrão, Chico Buarque)
Como uma escrava
Aí, eu não te dava perdão
Te rasgava a roupa, morena
Se eu fosse o teu patrão
Eu te encarcerava
Te acorrentava
Te atava ao pé do fogão
Não te dava sopa, morena
Se eu fosse o teu patrão”
Não é difícil imaginar que a ditadura “civil-empresarial-militar” (termo já amplamente utilizado, mas que conhecemos por meio do professor Jorge Luiz Souto Maior) quisesse atacar os direitos trabalhistas e a própria organização sindical quando temos em mente que a justificativa pra o golpe era justamente o avanço do socialismo ou comunismo – ou seja, um movimento formado por trabalhadores e para os trabalhadores.
Assim, para os estudiosos do Direito do Trabalho, esse momento marca uma forte interrupção do movimento de crescimento da liberdade sindical e de conquistas de direitos trabalhistas.
Os antecedentes do Golpe

O então presidente da época, João Goulart, assumiu a Presidência da República no ano de 1961, logo após a renúncia de Jânio Quadros. Lembramos que ele tinha sido eleito vice-presidente, num período em que não votávamos na chapa completa, mas em dois candidatos diferentes.
Jango, como João Goulart era chamado, era reconhecidamente um líder trabalhista e que tinha como objetivo a implementação da chamada “Reformas de Base”. No ponto que nos interessa, a intenção do Jango era ampliar a liberdade sindical no Brasil.
Isso porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nascida em pleno Estado Novo, não era o melhor exemplo em termos de liberdade sindical.
Todavia, desde que assumiu o poder, Jango passou a ser pressionado pelos congressistas (em sua maioria conservadora) e pela classe empresarial brasileira, que passou a enxergar as Reformas de Base como reformas “comunizantes”.
Sindicalismo

João Goulart, durante o período em que permaneceu na Presidência da República, havia promovido algumas alterações na CLT, principalmente por meio da revogação de alguns dispositivos legais, com o objetivo de ampliar a liberdade sindical e diminuir a intervenção do Estado na organização dos sindicatos.
Contudo, com a tomada do poder pelos militares, tais alterações foram revogadas, de forma que o funcionamento e as próprias eleições dos sindicatos passaram a ser fortemente controladas pelo Estado.
Exemplo disso foi o retorno do artigo 530 da CLT, que estabelecia as situações de inegibilidade para cargos administrativos ou de representação econômica ou profissional. Destacamos neste dispositivo a regra de que não poderia ser eleito aquele que estivesse em gozo de seus direitos políticos ou que tivessem praticado má conduta (o que seria, neste contexto histórico, uma má conduta?).
Além disso, foi decretada a Lei de Greve (Lei n 4.330/1964), que regulamentava o exercício do direito de greve, e que previa, por exemplo, que a greve seria considerada ilegal se fosse deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem, direta ou legitimamente, à categoria profissional (artigo 22, inciso III).
Como último exemplo, citamos a Portaria nº 40, da lavra do então Ministro do Trabalho, Arnaldo Sussekind, que vedava o acesso aos sindicatos de todas aquelas pessoas que fossem contrárias ao pensamento do General Castelo Branco, impedindo-os de retornarem aos sindicatos via eleição.
Operários não fugiram à luta
Apesar de toda a tentativa de sufocar o movimento sindical, fica claro para nós que ele nunca foi tão promissor e tão rico, tendo extrapolado os limites das reivindicações trabalhistas e chamado a atenção de toda a sociedade.
Foram famosas as grandes greves do final dos anos 60 e anos 70, sendo que podemos destacar a de Contagem (1968), a de Osasco (1968) e a do ABC Paulista (1977), que nos legou o líder sindical Luis Inácio Lula da Silva.

Inúmeras foram as vezes em que a Polícia Militar invadiu fábricas, reprimiu movimentos e levou presos os trabalhadores grevistas. Mas mais trágico que isso, diversos foram os operários assassinados pelo governo militar, entre eles Manuel Fiel Filho e Santo Dias da Silva.
Resultado do Movimento Sindical
A morte de Santo Dias da Silva chama a atenção de toda a sociedade, gerando uma grande manifestação, que reuniu milhares de pessoas no centro de São Paulo, fazendo com que as pessoas reivindiquem o fim da ditadura e da repressão policial.

O movimento operário, assim, volta-se ao debate político e essa preocupação se intensifica ainda mais a partir de 1980. A esta altura, os trabalhadores já contavam com o apoio e a solidariedade de vários segmentos da sociedade (inclusive, a música citada no início do texto, de autoria de Chico Buarque, foi incluída na Ópera do Malandro, após o compositor ter conhecido os movimentos sindicais).
No dia 21 de abril de 1980, cerca de dez mil pessoas reuniram-se num “ato público litúrgico”, na Catedral da Sé, em São Paulo, para protestar contra as arbitrariedades no ABC paulista. O ato arrecadou dinheiro e alimentos para o Fundo de Greve.
Dessas mobilizações, adveio um notável ressurgimento do espírito democrático, que não se limitou à realidade do ABC ou mesmo aos interesses dos metalúrgicos.
A reivindicação dos trabalhadores, feita de forma organizada por meio de greves, expôs abertamente as falácias do modelo econômico e as repressões do Estado, colocando o movimento dos trabalhadores no centro do debate político nacional.
Desse modo, a reivindicação dos trabalhadores se encaixa, perfeitamente, nos desejos de toda a nação, gerando uma grande união entre os trabalhadores e as demais classes sociais do país. Há, por assim dizer, a formação de uma solidariedade que transborda o limite da classe trabalhadora.
Como se vê, a presença dos trabalhadores no cenário nacional ganha ares de extrema relevância, pois refletia, na prática, toda a angústia de todo o povo brasileiro da luta contra a opressão.
As organizações dos trabalhadores, já integradas do Partido dos Trabalhadores, fundado em 1980, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983, participam, então, ativamente, das campanhas pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, iniciada em 1978, com a formação dos Comitês Brasileiros de Anistia (CBAs), que tem como precursor o primeiro Congresso realizado, em 1978, no TUCA (Teatro da PUC-SP), e das Diretas-Já, a partir de 1983.